O Uísque!
![]() |
Crônica by Apparício Torelli, Barão de Itararé (*)
|
Eu tinha doze garrafas de uísque na
minha adega e minha mulher me disse para despejar todas na pia, porque se
não.......
- Assim seja! Seja feita a vossa vontade, disse eu, humildemente.
E
comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha ingrata tarefa!
Tirei
a rolha da primeira garrafa e despejei o seu conteúdo na pia, com exceção de um
copo, que bebi.
Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma maneira,
com exceção de um copo, que virei.
Arranquei a rolha da terceira garrafa e
despejei o uísque na pia, com exceção de um copo, que empinei.
Puxei a pia da
quarta rolha e despejei o copo na garrafa, que bebi.
Apanhei a quinta rolha da
pia, despejei o copo no resto e bebi a garrafa, por exceção.
Agarrei o copo da
sexta pia, puxei o uísque e bebi a garrafa, com exceção da rolha.
Tirei a rolha
seguinte, despejei a pia dentro da garrafa, arrolhei o copo e bebi por exceção.
Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas, que escondi atrás do banheiro,
para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço que tinha feito, de
acordo com as ordens da minha mulher, a quem não gosto de contrariar, pelo mau
gênio que tem.
Segurei então a casa com uma mão e com a outra contei direitinho
as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram exatamente trinta e nove.
Quando a
casa passou mais uma vez pela minha frente, aproveitei para recontar tudo e deu
noventa e três, o que confere, já que todas as coisas no momento estão ao
contrário.
Para maior segurança, vou conferir tudo mais uma vez, contando todas
as pias, rolhas, banheiros, copos, casas e garrafas, menos aquelas duas que
escondi e acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca
........
(*) Aparício Torelli, Barão de Itararé, o Brando, (1895/1971),
"campeão olímpico da paz", "marechal-almirante e brigadeiro do
ar condicionado", "cantor lírico", "andarilho da
liberdade", "cientista emérito", "político inquieto",
"artista matemático, diplomata, poeta, pintor, romancista e
bookmaker", como se definia, era gaúcho e é um dos maiores humoristas de
todos os tempos. Dele disse Jorge Amado: "Mais que um pseudônimo, o Barão
de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote
nacional, malandro, generoso, e gozador, a lutar contra as mazelas e os
malfeitos".
Comentários
Postar um comentário